KIAN - O sonho se tornou pesadelo!
- Guilherme Dardanhan
- 7 de dez. de 2020
- 9 min de leitura
Atualizado: 27 de fev. de 2023
Conto nesse post a história dramática que vivenciei com a empresa Kian Guitars, liderada pelo luthier Sânzio Brandão, também guitarrista da banda mineira Cálix.
Em ABRIL de 2015 decidi encomendar uma guitarra para o lançamento do meu trabalho autoral. Não era uma guitarra qualquer. Tenho em minha coleção as marcas mais famosas do mundo, Gibson, Fender, Gretsch, etc. O instrumento em questão é uma Rickenbacker 360/12v64, sim, uma guitarra de 12 cordas, a mesma que George Harrison (The Beatles) ganhou da fabricante americana em 1964.
Aqui em Belo Horizonte, o cenário cover de Beatles é grande e alguns luthiers já fizeram instrumentos utilizando o conceito das Rickenbacker's com generosas modificações.
Sendo assim, comecei a buscar indicações e orçamentos. Depois de muita conversa com o luthier Sânzio Brandão da Kian Guitars e tocar num instrumento similar construído por ele, decidi fechar negócio pois:
- O prazo era bom - ENTREGA EM 6 MESES!
- O preço também era bom - comparado a importação do item original.
- A propaganda na internet era boa - promessa de feedback, fotos, participação no processo de construção.
- Endorsers excelentes - músicos profissionais com excelente reputação, demonstrando a qualidade dos produtos e associando o próprio nome à marca.
- Clientes famosos - Fernanda Takai (PatoFú), PJ (Jota Quest), Doca Rolim (Skank), Affonsinho, Leandro Martins, Breno Bernardes etc.
- Amigos e conhecidos que também compraram por lá e tocam na noite de BH com os instrumentos.
O negócio foi fechado no início de MAIO de 2015 com a transferência bancária de aproximadamente 30% do valor total. O restante do pagamento foi dividido em 5 vezes para equivaler ao prazo de entrega, 6 MESES.
Do fechamento do negócio até setembro, só recebi notícias por telefone, quando eu ligava e as respostas eram que "a guitarra estava bem adiantada".
16/09/2015 - O primeiro contato visual
Após várias ligações e pedidos via messenger no Facebook e no app Whatsapp, recebi a primeira fotografia em 16/09/2015. O instrumento estava montado, o corpo e o braço já estavam colados.
Na esperança do cumprimento do prazo, planejei e articulei o meu projeto de trabalho musical solo, com outros parceiros e serviços necessários para o desenvolvimento do material. Estúdio, produtor, engenheiro de áudio, filmagem, fotografia, vestuário, release e contato com a imprensa, teatro e outros espaços para apresentação.
O trabalho foi pesado, mas eu tinha um objetivo fantástico e teria a ferramenta fundamental que embasaria esse trabalho conceitual.
Primeiras imagens do instrumento em 16/09/2015
Eu não sabia, mas já estava preso na armadilha mortal da enrolação!
19/10/2015 - A primeira visita
A partir de OUTUBRO comecei a comparecer na fábrica da Kian para acompanhar o processo de perto. As portas sempre estiveram abertas para mim e sempre fui tratado com educação, disso não há reclamação.
Os argumentos se tornaram repetitivos "a guitarra já está num processo avançado", "faz parte do processo de lutheria"... As fotografias feitas por mim mostram que o instrumento ficou PARADO por 5 MESES, os prazos começaram a ser estendidos para "o próximo mês" e "daqui há dois meses".
Fotografias do instrumento em 19/10/2015
19/01/2016 - O recesso inventado
O absurdo de outro prazo prometido, desta vez para JANEIRO de 2016. Apareci na fábrica de surpresa e encontrei o luthier por "SORTE", conforme o mesmo relatou, pois a empresa estava em RECESSO e sua presença ali se dava por estar regulando alguns instrumentos. Isso mesmo, serviço de regulagem de instrumentos enquanto a guitarra já quitada ficava PARADA!
Muito educado, reforcei a necessidade do instrumento, compartilhei que perdia mais um trabalho no qual poderia ter utilizado a guitarra. Combinamos outro prazo, fiz a minha foto e sai de lá novamente com a ideia de atualizar meus planos.
Fotografias do instrumento em 19/01/2016
Para minha total surpresa, voltei no prazo combinado e me vejo no texto do Chaves:
"Volta o cão arrependido Com suas orelhas tão fartas Com seu osso roído E com o rabo entre as patas"
18/03/2016 - Congelado no tempo
Voltei em 18/03/2016 e encontrei o instrumento exatamente da mesma forma que estava em 19/10/2015!
Mais uma vez, o prazo foi ARREMESSADO para o próximo mês.
O quê sentimos quando somos enrolados? Frustração? Raiva? Indignação? Impotência?
A minha saída foi buscar mais informações com os clientes da Kian.
Saber como foi o processo deles e saber de outros músicos, qual a opinião sobre a empresa.
Surpresa! Quem havia indicado já não indicava mais, a história tinha mudado. Quem utilizou já não o fazia. Posso citar os casos e as reclamações mantendo os reclamantes no anonimato por respeito, mas espero que esse relato os traga a tona.
Fotografias do instrumento em 18/03/2016
28/04/2016 - O primeiro verniz
Novo prazo, volto eu em 28/04/2016 e encontro o instrumento com verniz, Graças a Deus! Mas com a mesma resenha do "processo de lutheria" e do "estado avançado".
Fotografias do instrumento em 28/04/2016
Tá redundante demais, né? Mas continue lendo, não desista de chegar ao fim porque não foi aí que eu desisti.
13/06/2016 - O verniz continua...
Combinada a entrega para JUNHO, volto eu e dessa vez em 13/06/2016, a guitarra recebeu mais uma pintura, dessa vez já se parece com o projeto combinado e faltaria pouca coisa para entrega. Feita a foto de praxe, combinamos OUTRA DATA DE ENTREGA, NO PRÓXIMO MÊS!
Fotografia do Instrumento em 13/06/2016
29/07/2016 - O eterno verniz
Ok, chego eu no dia 29/07/2016 de surpresa! O comentário é que eu nem vou notar a mudança na guitarra, ela recebeu uma nova camada de verniz. Realmente deu pra notar que recebeu, mas ali a minha indignação não coube mais na minha garganta. A guitarra ainda não tinha nada da parte elétrica, nada das partes plásticas, ponte, cordal, estojo, tarraxas...
O binding que deveria ter na escala foi esquecido e jogado para o futuro.
Minha reação com o descaso foi tamanha que pedi para o luthier colocar as peças que faltavam ali na hora para sair de lá com o instrumento.
Acabei esquecendo de fazer a fotografia para registrar o desenvolvimento do processo, mas minha justificativa era bem forte, como ficar calmo?
Não aguentava mais!
O PRAZO FINAL FOI COMBINADO PARA 31/08/2016, após o luthier confirmar que errou e assumir que captou mais serviços do que dava conta, pediu desculpas e se comprometeu a respeitar essa data.
Nessa ocasião, ele me mostrou um instrumento que seria entregue naquele dia. Ressalto o grau de complexidade do trabalho em madeira e o estojo feito por ele. Juro nunca ter visto esta guitarra nesse período enorme, ou seja, deixe sua imaginação supor, como a minha, que fui jogado para escanteio até um futuro momento que me dispusesse a reclamar.
Na última semana de AGOSTO, recebi uma mensagem do luthier via "messenger" do Facebook informando que o instrumento seria entregue no prazo e que eu receberia um comunicado a qualquer momento.
Perfeito! A guitarra enfim chegaria?
Mas pera lá! Essa não é uma história legal, não pode encerrar assim bacaninha, né?
Dito e feito, dia 31/08 chegou e não recebi nem sinal de fumaça. Bom motivo para fazer outra visita surpresa e conferir os impedimentos da entrega.
01/09/2016 - Ruindo a comunicação
Fotografia do instrumento em 01/09/2016
Após inspecionar o instrumento, desabafei toda frustração e indignação quanto à prestação do serviço e ao acompanhamento ofertados nas propagandas da empresa.
O instrumento recebeu o binding na escala, só isso!
E a promessa era de entregar o instrumento até sexta? Dia 01/09 era uma quinta-feira, ou seja, mais uma vez caí no conto do vigário!
O problema era grave, mas eu ainda tentava lutar com todas as minhas forças para receber o instrumento com o qual tanto sonhei e planejei meus projetos.
As falhas não se resumem ao descumprimento de todos os prazos, dos feedbacks que não recebi, de eu ser o propulsor da evolução do instrumento, afinal, se não houvesse pressão por minha parte, a guitarra estaria parada ou andando a passos ainda mais lentos, pode imaginar isso?
O luthier ficou chocado com a honestidade do meu discurso e se comprometeu a trabalhar apenas nela, enviando fotos e textos detalhados com os avanços diariamente.
O tratamento que recebi depois desse criterioso feedback é tudo que esperava receber antes, durante e depois de fechar negócio.
Sendo assim, mais uma vez é lamentável que, só depois de todas as peripécias pelas quais passei, eu tenha sido respeitado como cliente consumidor e não como um pedinte.

Os seis passos para o buraco
02/09/2016 - Feedback de curto alcance
O tratamento exclusivo e atencioso não durou muito tempo! Recebi na sexta, 02 e sábado, 03/09/2016, fotografias com algumas evoluções, daquelas que você resolve em pouco tempo porque são rápidas mesmo, mas já era algum retorno.
E ficou por aí mesmo...
Domingo, 04/09? Nada!
Segunda, 05/09? Nada!
Terça, 06/09?? Nada!
Quarta, 07/09?? Visita Surpresa!
07/09/2016 - Vai de qualquer jeito mesmo
Dia 07/09/2016, dia da independência do Brasil, feriado nacional, dia de visita surpresa! E que surpresa!
Confesso que até o momento não havia pensado em pedir meu dinheiro de volta, passava pela minha cabeça utilizar o termo para acelerar o processo de entrega do instrumento, porém, a visita foi dura!
No orçamento e negociação do projeto, o luthier confirmou que construiria o cordal e ainda pintaria a peça para ficar cromada. Não foi o que eu encontrei, a peça era simples e totalmente diferente do instrumento que eu encomendei! Você pode pensar que isso é coisa simples, fácil de resolver...
O significado ficava claro a cada questionamento meu, não era só o cordal: a captação não era a combinada; a peça pickguard em acrílico (palheteira) não estava de acordo com o modelo Rickenbacker; o potenciômetro pequeno não estava lá e, só depois da minha insistência, foi colocado!
Prefiro ilustrar para que entendam mais uma vez o tamanho do buraco em que me meti. Na verdade, ficou claro para mim que, após meu descontentamento generalizado, a postura adotada por ele foi de entregar de qualquer jeito.
À esquerda, o cordal instalado na guitarra, que NÃO FOI O COMBINADO!
À direita, a peça utilizada pelo instrumento oficial, o qual PAGUEI para que fosse PRODUZIDA e PINTADA!
À esquerda, o instrumento na fábrica com pickguard em acrílico feito de qualquer jeito e o 5º knob (botão) inexistente. À direita, o instrumento original com o pickguard e o mundialmente famoso 5º knob rickosound.
Ao questionar o luthier sobre o pickguard, a resposta foi que o modelo que ele estava seguindo não tinha os detalhes citados e que ele estava certo! E eu, óbvio, errado.
Mostrei no querido amigo google a verdade (alguém ainda acha que, nesses 1 ano e 4 meses, eu não conheço o instrumento original e que não me apeguei a cada detalhe?).
Vamos conferir o modelo seguido pelo luthier. Supimpa, no próprio computador, ele confirma estar enganado, o modelo que ele deveria seguir tinha os detalhes requisitados, mas por que foram desprezados?
O 5º knob rickosound foi desprezado sem nenhuma consulta, sob a alegação do luthier de que não teria utilidade, mas eu requisitei que fosse colocado mesmo com caráter simbólico/estético.
À esquerda, a captação humbucker clássica, reiterando, NÃO FOI O COMBINADO!
À direita, a captação que havia sido acertada para o instrumento, humbucker moderado Malagoli Golden Age.
Na terceira visita que fiz à Kian o luthier me mostrou os captadores que havia comprado, inicialmente seriam da marca Stellfner com essa mesma aparência dos Malagoli. Eu os vi na caixa, eu peguei neles e estava certo de que eles estariam no instrumento... as fotos mostram o contrário, né?
Justificativa?
"Eles são iguais, só a estética que muda, mas se você quiser eu tenho que fazer uma compra com a Malagoli, podemos mudar, caso queira".
Novamente, fico sem palavras: perda de memória? Quem faz um instrumento vintage, baseado num modelo de 1964 e quer que ele se pareça com uma guitarra moderna? Hein? oi???
Nem comentei nada, deixei pra lá, a frustração era tão grande que argumentar só aumentaria o descontentamento que eu tentava curar para não pedir meu investimento de volta.
À esquerda, o headstock recebeu as furações para inclusão das tarraxas.
À direita, vemos o instrumento completo.
As tarraxas que vi expostas na bancada eram blindadas, modelo que combinamos no fechamento do negócio.
09/09/2016 - Foi de qualquer jeito mesmo
Recebi uma mensagem pelo "messenger" do facebook, o luthier pediu para que eu comparecesse na fábrica para entregar a guitarra. Surpresa nº1: o estojo só ficaria pronto em NOVEMBRO então seria melhor cancelar o pedido conforme sugestão.
Tudo bem que o meu dinheiro ficou esse tempo todo disponível para o CASE, mas fui buscar a guitarra.
Surpresa nº2: a ponte foi a coisa mais bizarra que já ví em toda a minha vida de músico! Ilustração por favor!!!
Apenas UM parafuso na extremidade esquerda da ponte, na foto é possível ver como a peça está TORTA.
DOIS parafusos na extremidade direita da ponte!
Surpresa nº3: o 5º Knob rickosound não se mexe! "Ele é um potenciômetro travado" explicou o luthier. Gente do céu, tudo bem que o botão não tem função nenhuma nesse projeto, mas deixa ele rodar! Mais uma coisa para eu ter que consertar e ter mais trabalho!
CLIQUE NA IMAGEM PARA VER A EVOLUÇÃO TARTARUGA! Linha do tempo mostrando a evolução do instrumento que foi entregue em 1 ano, 4 meses e 10 dias
O sonho bonito que tive de participar com esse instrumento do maior Festival de Beatles da América Latina, BH Beatle Week, foi despedaçado por 2 anos! Dos trabalhos com outras bandas, perdi 3 oportunidades, com gravações em estúdio como freelancer, perdi mais de 15 trabalhos.

Após testar o instrumento, reconheço que a guitarra ficou boa em sua tocabilidade, ergonomia do braço, design e acabamento. Não recomendo o serviço ofertado pelo "profissional" pela angústia que sofri para materializar um instrumento que precisava estar pronto; no PRAZO COMBINADO; com as PEÇAS que COMBINAMOS; com a PARTICIPAÇÃO no projeto; com os FEEDBACKS prometidos na publicidade da empresa; e pelo CARÁTER.
Fui reembolsado no mesmo dia pelo cordal, cromagem das peças e do estojo, que não foram entregues.
Como músico, não me gera nenhum prazer em escrever isso, pelo contrário, é só tristeza! Gostaria de escrever sobre o instrumento no prazo de 6 meses acordado e ter feito milhões de publicações enaltecendo o trabalho do luthier, a qualidade do instrumento e a minha total satisfação.
Queria estar comunicando e comemorando a encomenda do segundo instrumento, mas essa não foi a minha história.
E se essa história chegar até você talvez seu desfecho seja diferente.